04/06/2025

STJ definirá se associação privada pode pedir recuperação judicial

Por: Beatriz Olivon
Fonte: Valor Econômico
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar, na tarde
de ontem, se associação civil sem fins lucrativos pode pedir recuperação
judicial. Por enquanto, o único voto proferido foi o do relator, ministro João
Otávio de Noronha, contra essa possibilidade. Ainda faltam quatro votos.
A discussão é importante porque a 3ª Turma já tem precedente para negar a
possibilidade. Se ambas as turmas tiverem o mesmo entendimento, a discussão
sobre o assunto no STJ praticamente se encerra. Isso porque o processo não
seguirá para a 2ª Seção, que julga temas quando há divergência entre os
colegiados.
No caso concreto, a Pro Saúde Associação Beneficente de Assistência Social e
Hospitalar pediu a recuperação judicial. O advogado do grupo, Rafael Santana
Coelho, afirmou, no julgamento, que o passivo da entidade é de R$ 700 milhões,
enquanto há R$ 1,2 bilhão a receber da União e Estados.
Na sustentação oral, Coelho explicou que a empresa tem mais de cem
funcionários e presta serviços, essencialmente, por meio de contratos com o
poder público, com grande percentual de demandas do Sistema Único de Saúde
(SUS), mas é uma entidade sem fins lucrativos. “Eu não teria uma crise se não
fosse compelido à quebra de contrato por inadimplência de verbas públicas”,
disse.
A Pro Saúde está impossibilitada de usar recursos que teria à disposição pela
recuperação judicial para fazer frente à crise, segundo o advogado. “Não
conseguimos avançar no cumprimento do plano porque sempre que há medida
no primeiro grau sabemos que o posicionamento do segundo grau é que
associação civil não faz jus à recuperação judicial”, afirmou o advogado.
A liquidação é um procedimento antigo e ineficaz, por isso pouco usado”
— Daniel C. Costa
“Qual é a empresa privada hoje que tem interesse em prestação de serviços ao
SUS? Não há empresas privadas, que distribuem lucros, brigando por esses
contratos”, destacou ele sobre eventual impacto concorrencial da concessão de
recuperação judicial.
Em seu voto, o ministro João Otávio de Noronha afirmou que toda clínica
médica presta um serviço relevante à sociedade, mas nem todas estão sujeitas à
recuperação judicial. O ministro disse também que a legislação brasileira não
prevê a possibilidade de recuperação judicial para sociedades civis sem fins
lucrativos, a qual é destinada a empresários e sociedades empresariais (REsp
2159844).
Ainda segundo o relator, a definição de empresa adotada pelas leis brasileiras
não contempla sociedades sem fins lucrativos, mesmo que elas exerçam
atividade econômica, porque não visam lucro nem distribuem lucro entre seus
associados. Para Noronha, a extensão da recuperação judicial às entidades sem
fins lucrativos poderia gerar insegurança jurídica e levar prejuízo a associados,
com a conversão do plano em falência. Na insolvência civil, disse o ministro,
há a possibilidade de concordata a partir de negociação, que parece ser o mais
cabível na hipótese.
Na sequência, o ministro Marco Buzzi pediu vista, o que suspendeu a votação.
Com isso, o processo voltará à pauta de julgamentos em até 90 dias.
A 3ª Turma do STJ já julgou o assunto, pela primeira vez, em outubro do ano
passado. Na ocasião, os ministros impediram uma fundação de direito privado
de pedir recuperação judicial.
Por maioria de votos, prevaleceu o entendimento do relator, ministro Ricardo
Villas Bôas Cueva. Para ele, o artigo 1º da Lei de Recuperação Judicial e
Falências (nº 11.101, de 2005) deve ser interpretado de forma literal.
De acordo com Cueva, não há dúvida sobre a opção do legislador em não
incluir os entes que, apesar de poderem sob certa perspectiva ser classificados
como ‘agentes econômicos’, não são empresários. No voto, ele também citou a
importância da preservação da segurança jurídica e do ambiente de negócios.
Para o ministro, uma interpretação expansiva da lei teria impacto direto na
concessão de crédito.
O voto do relator na 3ª Turma foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio
Bellizze, Nancy Andrighi e Humberto Martins. Ficou vencido Moura Ribeiro,
que resumiu a divergência afirmando que “fundação exerce inegável atividade
econômica e, nesse contexto, a benesse da recuperação judicial deve ser
acolhida”.
Sem a recuperação judicial, não há outra ferramenta para reestruturação,
segundo o advogado Daniel Carnio Costa, professor da PUC-SP e ex-juiz da 1ª
Vara de Falências e Recuperações de São Paulo. “Vamos permitir que essas
entidades, por não serem empresariais, desapareçam e com elas desapareçam
todos os benefícios econômicos e sociais que elas geram?”, questiona o
advogado.
A insolvência civil é mais similar à falência, que é um processo de liquidação e
não permite a recuperação da atividade, diz Carnio Costa. Para ele, a liquidação
é um procedimento antigo e ineficaz, tanto que é pouco usado. Por outro lado,
ainda que a decisão seja contrária à associação, afirma, será relevante porque
pacificará o entendimento.